Estava eu muito bem a masturbar-me com uma faca quando me lembrei de uma velha história que gostaria de partilhar convosco. É uma fábula. Pois, os animais falam.

Num belo dia um escorpião aproximou-se dum sapo à beira de um rio e disse-lhe o seguinte:

- Olá Sapo.

- Olá Escorpião.

- Estás bom?

- Eu estou e tu?

- Eu também. Oh Sapo podias-me fazer um grande favor?

- O que é que tu queres?

- Podias-me levar até à outra margem?

- Porque é que não vais à volta?

- Porque é uma volta do caralho.

- Ah pois… Não levo nada! Estás parvo?

- Então porquê? Custa-te alguma coisa?

- A mim não me custa nada mas se te levar tu ainda me picas e vou desta para melhor.

- Achas que sim? Então se fizesse isso morríamos os dois. Tu do veneno e eu afogado.

- Realmente é verdade. Então vá, salta lá para cima de mim. Mas com juizinho e respeito senão pá próxima vais a pé que te fodes.

Lá se fizeram à água e assim que estavam a meio do rio o escorpião dá uma ferroada no sapo e injecta-lhe mesmo na veia uma bojarda que dava para abater um 747. Espantando com a situação e emitindo as suas últimas palavras, o sapo diz para o escorpião:

- FODA-SE!! Porque é que tu fizeste isso?

- Porque é da minha natureza.

E morreram os dois.

Deixo-vos uma questão. Quantas vezes na vida não foram já vocês sapos ou escorpiões?

Desde tenra idade que nunca fui grande fã de puzzles e cada vez entendo melhor o porquê. Logo à partida, havia uma série de actividades muito mais interessantes para fazer do que estar dias a fio a tentar encaixar peças umas nas outras para no fim ter como recompensa uma imagem pixelizada de uma paisagem suíça. Mandar pedras para dentro de água, desmontar carros telecomandados ou ver o TV Rural pareciam êxtases de emoção comparados com fazer um puzzle de mil peças.

Para além da semana de tédio assegurada, havia ainda o desinteresse com que todas as outras pessoas viam esta actividade. Recordo-me de entrar em casa de amigos meus e ver estampadas na parede as mais variadas imagens de puzzles que agora adquiriam o estatuto de quadro. Quer fossem carros de Formula 1, paraísos tropicais ou a já referida casa nos Alpes para mim era igual. Aquilo não tinha interesse nenhum. Nunca percebi o motivo de tamanho orgulho. Não fora pintado nem criado pela própria pessoa. Era pura e simplesmente algo que não revelava nada que não se conhecesse já de antemão. Uma obra sem um pingo de originalidade. No fundo era somente uma ordem, um caminho já pré-determinado para chegar onde alguém lhes tinha mandado ir. Sem me aperceber disso na altura, decidi que se alguma vez na vida fosse resolver um puzzle seria sobre algo novo e único. Escolhi a vida e a minha passagem por ela. Tinha acabado de nascer um existencialista.

Era um desafio colossal que me iria ocupar o resto da vida. À minha frente tinha muito mais que mil peças, sem um única proveniência e todas claramente únicas. A eternamente incompleta imagem que ia criando, alterava-se a cada instante. Fiz, desfiz e refiz. Por vezes de inicio, à medida que me ia apercebendo de tudo o que estava errado. Sem um ritmo coerente. Grandes secções do puzzle surgiam em curtos espaços de tempo enquanto que outras, por vezes até aparentando ser bastante simples, arrastavam-se anos sem se enquadrarem, impedindo assim que a imagem fluísse como um todo.

Mas nunca desisti, teria que ter a solução para o seu problema. Não seria agora, passado tanto tempo, que iria deixar peças por encaixar. Que o puzzle ficasse incompleto eu até admitia, agora que não se revelasse como um todo e se cumprisse isso para mim seria impensável. Lutei pela resposta, estudei o assunto até à exaustão. Após tanto raciocínio e experimentação cheguei a um nada inconsolável. Como tal fiz o melhor que se deve fazer numa situação destas. Fui dormir. Decerto que o meu mal seria sono.

Até que um dia acordei. Agora, as coisas jamais seriam as mesmas. O que se seguirá a partir de hoje neste espaço é o seu relato.

Dito isto, e com a perfeita noção que as coisas jamais voltarão a ser as mesmas, comecemos este assunto pela definição de epifania. Escolhi esta após uma busca exaustiva nos mais variados meios de informação (mais uma vez, a primeira merda que encontrei na net).

“Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa" do problema. O termo é aplicado quando um pensamento inspirado e iluminante acontece, que parece ser divino em natureza (este é o uso em língua inglesa, principalmente, como na expressão I just had an epiphany, o que indica que ocorreu um pensamento, naquele instante, que foi considerado único e inspirador, de uma natureza quase sobrenatural). Epifania também possui o significado de manifestação ou aparição divina.”

Antes de nos debruçarmos mais sobre este assunto há que dizer o seguinte:

Yesterday, there was so many things
I was never told
Now that I'm startin' to learn
I feel I'm growing old


'Cause yesterday's got nothin' for me
Old pictures that I'll always see
Time just fades the pages
In my book of memories
Prayers in my pocket
And no hand in destiny
I'll keep on movin' along
With no time to plant my feet


'Cause yesterday's got nothin' for me
Old pictures that I'll always see
Some things could be better
If we'd all just let them be


Yesterday's got nothin' for me
Yesterday's got nothin' for me
Got nothin' for me


Yesterday, there was so many things
I was never shown
Suddenly this time I found
I'm on the streets and I'm all alone


Yesterday's got nothin' for me
Old pictures that I'll always see
I ain't got time to reminisce old novelties


Yesterday's got nothin' for me
Yesterday's got nothin' for me
Yesterday's got nothin' for me
Yesterday


Yesterday

West Arkeen , Del James, Billy, e Axl Rose em "Use Your Illusion II"


E se um dia acordasses, desperto e lúcido ao contrário de todas as outras manhãs, e ao aproximares-te do espelho visses outra pessoa? Não estou a falar daquela vez, como aconteceu a um amigo meu, que apanhou uma ganda bezana e acordou com uma dor aguda no esfíncter. Ao levantar-se (a cambalear diga-se de passagem) apercebeu-se que estava numa casa de banho pública, numa poça de urina e vómito. Assim que olhou para o lado viu-se na companhia de três pessoas no mesmo decrépito estado que dormiam amontoados uns em cima dos outros. Um estucador cabo-verdiano sem roupa interior, um advogado septuagenário com roupa interior mas de mulher e um travesti de metro e oitenta com fortes semelhanças com a Cármen Miranda apesar de no seu chapéu faltar uma banana. Como se isso não bastasse, e para ficar ainda mais chocado, ao olhar ao espelho viu que estava trajado de Abelha Maia e não era Carnaval, nada disso, era Outubro e o melhor que teve a fazer foi análises. Felizmente que deu negativo mas não deixa de ser constrangedor.

Se era nisto que estavam a pensar esqueçam. Sei que é uma situação que já aconteceu a todos mas não era disso que estava a falar. O que eu estava a falar era de uma epifania. Mas sobre isso falarei mais tarde. Acabei de saber o paradeiro da banana que faltava no chapéu do referido cavalheiro. Não admira que eu tenha andado com os intestinos presos.

“Se a vida fosse apaixonante, se as pessoas estivessem enamoradas com o viver, faziam o que nenhum namorado faz. Nenhum namorado se anestesia completamente antes de ver a sua amada. Ninguém se anestesiaria prá vida. É porque a vida para a maior parte da gente não presta para nada, é um tormento. E um tormento por circunstâncias que podiam perfeitamente ser modificadas. E não são! Por motivos de evolução geral ou por motivos egoístas deste ou daquele. (…)

Temos é que amar cada vez mais a vida e a ter cada vez mais ampla, fazermos tudo na nossa pequena área ou na nossa área maior para que ela assim seja. Para ver se as pessoas se despem desse pessimismo. Se andando vivos na vida, ao passo que a maior parte da gente se faz de morto para que a vida não o agrida a ele. Andando vivos na vida, cheguemos a ter um entusiasmo comunicativo, a nós próprios sempre, e, comunicativo, contagioso com todos aqueles que connosco lidarem.”

Agostinho da Silva “Conversas Vadias”

Portugal does not have the highest debt of the eurozone, nor its highest unemployment, nor did it have a real estate crash. It didn’t even have the largest budget deficit. Yet, it seems like it will be the next domino to fall.

The reason is actually pretty simple: its growth prospects are poor. Markets are forward looking, rather than backwards looking. Normally, debt and recent deficits are a good indicator of whether, going forward, the government will be able to service its debt. However, in some cases that relationship breaks down (for example, if the country just got out of a war, its future will look very different to its recent past). In Portugal’s case, the debt is not that worrisome, and its deficits are not that large, but growth has been stagnant and there is little indication it will change.

For decades now, the average yearly growth rate has been slowing down (especially if you disregard the period just before and after the 1974 revolution as exceptional). In the last decade, it has barely been above 1%.

Why? Here, unfortunately, it gets messy. It feels like a death by a thousand cuts.

1. The labour market is awful. Many are familiar with the sclerotic Spanish market and the division into overly protected cosy jobs and bad, underpaid, precarious ones. Portugal’s labour market is, in some senses, worst. A proposal to make it as liberal as Spain’s (!) is being resisted by the unions.

2. The bureaucracy of the state has improved in recent years, but it is still a drag on the productive economy. Especially at the local level, things take too long and are overly unpredictable. See this Bloomberg report for a good description. Lisbon has more vacant houses than houses where people live in! Most of the vacant houses are owned by people who have been waiting (often for many years) for permission to renovate and put them back on the market. The city does not approve them and Lisbon loses its vitality.

3. There is no large scale corruption like in Greece, nor the state-level corruption of France, but petty corruption is abundant. In general, corrupt politicians still get re-elected. A few years back, one of the social-democratic parties (there are two of them), withdrew support from its most corrupt mayors. It was a good start, but the party got rewarded by losing many seats, whilst the other social-democratic party supported their corrupt mayors and kept them. In a democracy, people get the government they deserve.

4. Since 1968, when the first programme of “democratic education” started, the population is increasingly well-educated, at least on paper. Unfortunately, during the 1980s there was a very large internal brain-drain as most of the college educated chose to work comfy jobs in the public sector rather than start new companies or modernise existing ones. This also meant that the upper middle-class that rules the country (the sort of people a journalist at an important newspaper might encounter at a dinner party) are beholden to the state. Many small private companies, on the other hand, are run by the people with the least education.

5. Speaking of education, it’s not very good. Culturally, it is still not valued enough, with parents caring more about grades themselves than whether their children are learning anything at all (for example, trying to get teacher to dumb down so that their kids get better grades by learning less is common).

6. Large corporations, even when nominally private, are, almost without exception, dependent on the good favours of the state and protected from competition. The exceptions are export-oriented, but there are not many of them.

7. The demographic situation is horrible: there are too many people retiring for the number of workers. Demographics is like a slow moving freight train: it takes forever to get to you, but, when it does, it crushes you. Social security is now partially dependent on the value-added-tax. It will not get better, more general taxes will need to be diverted for it. For as long as I remember it, the pension system is in a process of “reform” (i.e., slowly breaking its promises, slowly increasing its take in taxes). The young are increasingly called to pay more to the older generation (who, in general, have no savings). As their taxes increase, many, the more productive, opt out of the system altogether (Portuguese emigration has picked up again in recent years). Atlas is shrugging.

8. The euro needed to be much looser. Portugal simply adopted a strong currency without the cultural adaptation that revealed itself to be needed.

Frankly, I just don’t see an easy way out for this little country in the short term. The political economy is warped by the older generation which works for the state and will fight for its perceived due. The economic culture is Keynesian even as they keep pulling on the string of public works (the plan is to have 3 parallel freeways from Lisbon to Oporto!). The idea of private initiative is too tainted by the pervasive crony capitalism (while at the same time, the state’s prerogative to choose winners is unquestioned—as if the two were unrelated). Meritocracy is resisted by the mediocre who have cushy jobs (with egalitarian leftists intellectuals serving as useful fools supporting them).

There will not be a catastrophe. I’d be surprised with a radical populist up-rising. Portugal just does not like radicals and there are not enough young people. Instead, at least during the next 5 to 10 years, we’ll see a muddling along.

The intervention of the IMF (which still seems inevitable) will buy the country some time, but there is too much wrong with its economy for the fix to be the miracle that some expect.

In "http://www.mutualinformation.org" February 6th, 2011

Se há algo castrador é não demonstrarmos sentimentos de Amor por alguém. Faze-lo é renegar à vida que brota dentro de nós. Ao pulsar da nossa essência e ao sentido da nossa existência.

Então se é tudo isto, porque tantas vezes o fazemos? Ou melhor, não fazemos? Fundamentalmente por três razões. Por estupidez crónica, por medo e porque tem que ser. Analisemos.

As doenças crónicas são por definição patologias que não têm cura e esta não é excepção. Podem-se amenizar os efeitos, aprender a lidar com a maleita e viver de forma a que os sintomas não se tornem tão notórios. No entanto, é intrínseca ao ser e por lá há-de ficar. Por isso habituemo-nos à ideia e façamos um esforço diário para que tal agonizante peste não tome conta da nossa patética existência.

O medo é o maior inimigo da vida. É ele quem nos bloqueia, quem nos impede de progredir e de ser. A barreira psicológica mais forte e quase sempre infundada. Um obstáculo imenso num momento, que rapidamente se transforma num irrelevante pormenor do nosso caminho no mais curto espaço de tempo. Uma ilusão revestida das mais diferentes formas que, com o intuito de proteger de eventuais perigos, acaba por criar outros bem mais verdadeiros. Os da inacção e da impossibilidade de podermos vir a ser felizes. Mas nada que uma garrafa de whisky e umas linhas de coca não levem ao sítio.

O “tem que ser” é mais custoso. E é sobre ele que me quero verdadeiramente debruçar. Ao contrário dos dois anteriores, este depende pouco de nós. Tem muito mais a ver com hábitos, costumes e com a maneira de ser dos outros. O “tem que ser” é uma autêntica instituição. Erigido nos confins da história, este monólito resiste ao passar dos tempos, imperturbável com ventos, tempestades e intempéries de toda a ordem. Ninguém sabe como foi criado nem qual a sua utilidade, o que é um facto é que por cá anda e não aparenta ter intenções de abandonar o seu lugar. O “tem que ser” não é mais que um altar ao masoquismo. Um impedimento absurdo para se viver feliz e descansado. Pois se duas pessoas se amam não deveria haver razão nenhuma para não o expressarem. Infelizmente há. Há e não são poucas. “Ela não vai gostar”, “Ele não vai achar bem”, “Está errado demais”, “Está certo demais”, “Não quero que pense que sou fácil”, “Não quero que pense que sou um banana”, “Agora não me vai querer de certeza”, “E se me arrependo?”, “Ainda é cedo” ou “Já é tarde”, etc. E por aqui continuávamos nos mais comuns, confusos e desajustados pensamentos que nos acompanham a todos neste grande momento do “tem que ser”.

E enquanto o “tem que ser” manda e vai andando, nós vamos cada vez mais ficando. Em lado nenhum e sem perspectivas de nada. Seguindo por caminhos errados, presos apenas a pensamentos castradores da nossa alma e da nossa felicidade. Agarrados a ilusões, aguardando apenas a morte e escondendo-nos da vida para que esta não nos magoe.

Já o disse mais de mil vezes e volto a repetir. Só há duas coisas sobre as quais vale a pena escrever. Amor e Morte. Como hoje estou bem disposto decidi falar-vos de Morte. Andei a investigar e de acordo com os mais recentes dados disponíveis (leia-se a primeira merda que encontrei na Net) a esperança média de vida para um homem nascido e criado neste burgo é actualmente de 75,8 anos. O que faz com que, por estimativa, eu vá morrer por volta do início do mês de Setembro do ano da Graça de dois mil e cinquenta e quatro. Isto a valores actuais, atenção. Visto que a esperança média de vida tem vindo a aumentar ano após ano, é bem provável que quando chegar a minha hora programada eu ainda dure mais um bocado.

Mas para efeitos académicos partamos do pressuposto que irei morrer na referida data. E o que podemos retirar daqui? Antes de mais, posso constatar que ainda nem cheguei à meia-idade. Não é novidade nenhuma, já me tinha apercebido disso à que tempos. Ainda não me deu vontade de comprar um Porsche nem fiquei com a irritante mania de dizer a toda a gente que sou jovem. Por isso devo estar bem longe dessa fase.

Seja como for, tudo isto não passa de um palpite. Posso morrer muito mais cedo descansem. Até pode acontecer estarem a ler isto e eu já estar morto. Já pensaram sobre isso? Podem estar neste preciso momento a ouvir um morto na vossa cabeça. Espectacular! Isto eleva o conceito de perca de tempo a uma nova dimensão, não é?

Outro pormenor interessante que descobri é a minha garantida mortalidade. Como pude confirmar pela minha aprofundada pesquisa (mais uma vez a primeira merda que vi na Net) não há qualquer esperança que viva para toda a eternidade. Não há nenhum caso conhecido do género embora a Cher ainda cá ande.

Apesar da finitude da minha existência, ao fim e ao cabo ainda tenho imenso tempo de vida. Que seca. Já cá ando à tanto ano e só a ideia de ainda ter de levar com isto por mais umas valentes décadas até me dá náuseas. Felizmente que tudo acaba e é isso que me alegra. É que, pelo menos agora de momento, não me ocorre nada de verdadeiramente interessante para preencher tanto tempo de vida. Mas tenho tempo para pensar… alguma coisa se há-de arranjar… tempo… muito tempo… horas… dias… meses… anos… tanto para pensar… tanto para planear… tanto para ponderar antes de agir… as coisas fantásticas que irei fazer… tenho tempo para tudo isso… tempo… tanto tempo… e depois de tudo isso entrarei em acção… é isso… farei tudo aquilo a que me propus e a que estava destinado… mas hoje não… ainda tenho muito tempo e decerto que terei mais oportunidades para tudo isso… ou será que não?...

Se há conceitos que ultrapassam os limites da inteligência, e até do absurdo, é o de Destino. A velha e irrefutável ideia de que tudo aquilo que vivemos já está determinado. Que todos temos o guião das nossas vidas, senão completamente escrito, pelo menos amplamente alinhavado.

Não quero aqui provar ou negar a existência do mesmo. Só coloco uma questão. Para quê? A sério, já alguma vez pensaram nisto? Porque raio é que alguém se ia dar ao trabalho de escrever a história de toda a humanidade e realizar tamanho argumento? Para satisfazer o seu sonho de menino de ser realizador de cinema? Para se entreter a ver um filme? Foda-se, e ainda há quem ache que E Tudo O Vento Levou é grande. Aquelas quatro horinhas, a ver o Clark Gable de banho tomado enquanto tudo à sua volta morre estropiado e a esvair-se em sangue, agora até parecem curtas para ir à casa-de-banho num intervalo.

É um perfeito disparate. E o Destino também. Se alguma coisa estivesse escrita qual seria o propósito? Bom, dá sempre para argumentar que mesmo sem nada estar escrito que ainda ninguém encontrou o sentido a tudo isto. Válido, mas mesmo assim não me convence. Caso fosse verdade, quem seria o autor de tamanha barbárie? E com que critérios? Mas que sadismo e parcialidade.

Em todo o caso temos de estar abertos a todas as possibilidades. E caso se confirme que esta teoria é verdadeira só há uma coisa a fazer. Demitir o argumentista. Mais nada. Já está à demasiado tempo no cargo e a história já perdeu a Graça à muito. E só uma pessoa o pode substituir. Nós e nós mesmos.


Já sei que não gostam do Woody Allen. Ninguém gosta. Já ouvi isso mil vezes. Eu gosto e quero é que o resto se foda. Eu também não vos impeço de gostarem do Jackie Chan, do Martin Lawrance e dos Coldplay, por isso escusam de me repetir a ladainha que já ouvi mais de mil vezes. Chamem-me intelectual e todo o tipo de insultos previsíveis neste momento. Já sabem do que se vai falar nas linhas seguintes, se não gostam ainda vão a tempo de mudar. Tenho a certeza que se ligarem a televisão deve estar a dar “O Preço Certo” ou uma qualquer reposição de “Os Malucos do Riso”.

Após este pequeno apontamento (e de dois Valdispert) podemos finalmente seguir para aquilo que tratamos hoje. Vi recentemente Whatever Works (em português Tudo Pode Dar Certo) escrito e realizado por quem imaginam. Neste filme Woody Allen aborda a junção de dois temas, o Amor e o Acaso. Não é a primeira vez que o faz. Por exemplo, em Match Point a imprevisibilidade daquilo que nos rodeia é o tema central do filme e em Maridos E Mulheres a dinâmica e química entre casais e aquilo que os forma é o corpo de toda a acção. Mas agora, talvez mais que nunca, centra-se nestas duas temáticas e faz disso um grande filme, pura e simplesmente.

A personagem principal é interpretada por um dos mais brilhantes comediantes dos últimos cinquenta anos, Larry David. Um aparte. Para quem não faz ideia de quem é esta alma está em boa altura de ir pesquisar. Vão achar muito curioso ter sido ele quem escrevia os textos de uma das mais populares séries de todos os tempos. Mas voltemos ao filme. Larry David nem representa, pura e simplesmente aparece e é a pessoa indicada para tal. Um desiludido, intragável e descrente ser, que é humano apesar de não se identificar com a espécie, vê o seu mundo sem sentido dar as mais imprevisíveis voltas sem que o propósito alguma vez se instale. Mas ao fim e ao cabo isso também não o parece incomodar. Porque como ele diz, o que quer que funcione serve perfeitamente.

E aqui fica mais uma sugestão cinematográfica que-ninguém-vai-ver-porque-é-do-Woody-Allen. Mas que seria excelente para todos aqueles que vivem na ilusão que controlam as suas próprias vidas e desprezam a importância da sorte e do azar nas mesmas. Este filme é uma brilhante análise existencial a transbordar de sarcasmo e de inteligência. Que para além de entreter o espectador também o faz ponderar sobre a sua patética mas muito válida existência. Agora…onde é que pus os Valdispert?...


Entro, a luz perde os meus passos sobre o olhar. Atento, respiro e movo-me sobre o chão fixo, pregado às tábuas do meu caixão. Passos curtos de análise, olhar atento e certeiro. Serpenteio, focado e consciente de cada sopro da pessoa que cresce em mim. Sobrevoo o campo de batalha, os vultos movem-se, estudam-se, aguardando pelo momento exacto. A tensão cresce. É o agora. Único na sua espontaneidade, singular em todas as suas formas, sublime e efémero como todos os outros, áspero, duro e asfixiante. Névoa dos passos perdidos. Confronto de mim comigo mesmo. Sinto o embate da minha alma sobre os pilares da minha existência. Morte e vida num só. Presente mais que perfeito prestes a diluir-se no todo que faz um registo.

Sobe, a alma intensifica-se, sobrepõe-se à imagem de si mesmo. Agora sou quem apareço. O verdadeiro, o que brota em mim e por mim. Respiro fundo e abrando o passo. Endireito as costas e tomo posição. O olhar aterrador de quem nasceu para viver e morrer. Pé ante pé pelo meio do ringue. O golpe de uma vida. O mais brilhante dos momentos. Assustador até para quem o desfere. O desconhecimento da sua origem invoca a presença de um ser mais alto. O retorno da imagem perdida. Do ser de quem me tinha separado. O contemplar da visão de Deus. O menino fez-se homem. O nascer fez-se ser. A essência assentou finalmente sobre a existência.

Choro. Descarga emocional. Sento-me. Acendo um cigarro no frenético ritmo da vida. As lágrimas correm-me pela cara ao som do meu desabafo. Os anjos sopram os seus metais. O campo de batalha volta a dar uso ao seu nome. Acção. Embate após embate, cada vez mais duro a cada momento. Frenético, violento e impensável. Destruição de todos os muros e de todas as barreiras. Dependo apenas de mim mesmo. Sou só eu. Quem luta, quem vive. Eu e apenas eu. Sem depender de ninguém. Para o melhor e para o pior.

Já cansado aproximo-me do centro do ringue. Golpes atrás de golpes provocam a primeira queda. Vejo o seu corpo desesperado deitado no chão. A minha face é a mesma. Nada me faz mudar. O ser que brota de mim é a besta da minha essência. Domada por mim e para mim. Eu sou eu. A aparição de mim mesmo. Quem olha do chão é o meu reflexo. A outra face da mesma moeda. Somos um, somos tudo. Indefiníveis e mutáveis.

Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim.

Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente IV"