Desde tenra idade que nunca fui grande fã de puzzles e cada vez entendo melhor o porquê. Logo à partida, havia uma série de actividades muito mais interessantes para fazer do que estar dias a fio a tentar encaixar peças umas nas outras para no fim ter como recompensa uma imagem pixelizada de uma paisagem suíça. Mandar pedras para dentro de água, desmontar carros telecomandados ou ver o TV Rural pareciam êxtases de emoção comparados com fazer um puzzle de mil peças.

Para além da semana de tédio assegurada, havia ainda o desinteresse com que todas as outras pessoas viam esta actividade. Recordo-me de entrar em casa de amigos meus e ver estampadas na parede as mais variadas imagens de puzzles que agora adquiriam o estatuto de quadro. Quer fossem carros de Formula 1, paraísos tropicais ou a já referida casa nos Alpes para mim era igual. Aquilo não tinha interesse nenhum. Nunca percebi o motivo de tamanho orgulho. Não fora pintado nem criado pela própria pessoa. Era pura e simplesmente algo que não revelava nada que não se conhecesse já de antemão. Uma obra sem um pingo de originalidade. No fundo era somente uma ordem, um caminho já pré-determinado para chegar onde alguém lhes tinha mandado ir. Sem me aperceber disso na altura, decidi que se alguma vez na vida fosse resolver um puzzle seria sobre algo novo e único. Escolhi a vida e a minha passagem por ela. Tinha acabado de nascer um existencialista.

Era um desafio colossal que me iria ocupar o resto da vida. À minha frente tinha muito mais que mil peças, sem um única proveniência e todas claramente únicas. A eternamente incompleta imagem que ia criando, alterava-se a cada instante. Fiz, desfiz e refiz. Por vezes de inicio, à medida que me ia apercebendo de tudo o que estava errado. Sem um ritmo coerente. Grandes secções do puzzle surgiam em curtos espaços de tempo enquanto que outras, por vezes até aparentando ser bastante simples, arrastavam-se anos sem se enquadrarem, impedindo assim que a imagem fluísse como um todo.

Mas nunca desisti, teria que ter a solução para o seu problema. Não seria agora, passado tanto tempo, que iria deixar peças por encaixar. Que o puzzle ficasse incompleto eu até admitia, agora que não se revelasse como um todo e se cumprisse isso para mim seria impensável. Lutei pela resposta, estudei o assunto até à exaustão. Após tanto raciocínio e experimentação cheguei a um nada inconsolável. Como tal fiz o melhor que se deve fazer numa situação destas. Fui dormir. Decerto que o meu mal seria sono.

Até que um dia acordei. Agora, as coisas jamais seriam as mesmas. O que se seguirá a partir de hoje neste espaço é o seu relato.

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