Reza a lenda que Robert Johnson, icónica figura do Blues, vendeu a alma ao diabo em troca de um talento musical ímpar. Mais especificamente, a história refere que à meia-noite, numa encruzilhada, um homem vestido de preto (o Mafarrico) lhe afinou a guitarra, tocou umas modinhas e passou a sua mestria para as mãos e mente de Johnson.

Pois posso-vos dizer que isto é uma grande treta. Ainda ontem vendi a alma ao diabo e ele vinha em tons de azul. Azul-escuro é verdade, mas nem um daltónico poderia confundir com preto. Mas tonalidades à parte, que isso é irrelevante.

Já à bastante tempo que pensava em fazer isto. Finalmente tive a oportunidade de o concretizar. Ainda se colocou a hipótese de fazer um leasing mas achei que já que estávamos a falar da alma de uma pessoa ao menos que fosse algo em definitivo.

Cheguei à encruzilhada já passava da meia-noite. Felizmente Satanás também se tinha atrasado e acabava de chegar. Após a já típica conversa sobre o trânsito alfacinha prosseguimos para aquilo que verdadeiramente interessava.

Não me fazendo fraco nesta negociação virei-me para ele dizendo:

-Como é que eu sei que você é mesmo o diabo? Eu nem acredito em tal figura.

Ao que ele respondeu:

-Oh meu amigo, eu também não acreditava que hoje chovesse depois dos dias bonitos que tivemos em Março e veja como o tempo se pôs.

Fiquei logo sem argumentos. E se duvidas tivesse, foram logo postas de parte. Mostrou-me o seu diploma da licenciatura de direito, um mestrado em teologia, a tatuagem de uma claque de futebol, o seu cartão de filiação num partido politico e o de funcionário da ASAE. Percebi imediatamente que estava perante uma figura de uma malvadez superior.

O acordo foi bastante rápido e, diria eu, bastante proveitoso para a minha parte. A minha alma condenada até à eternidade pela realização dos meus desejos terrenos. Considero que fiquei a ganhar duas vezes. Se por um lado garanti uma existência bem mais proveitosa por outro assegurei a minha entrada pelas portas do Inferno. Desde muito novo que sempre sonhei ir lá parar depois de esticar o pernil. O Céu sempre me pareceu profundamente aborrecido e com uma aragem desagradável. Por outro lado o Inferno apresenta-se pleno de vantagens. É mais aconchegante, pode-se fumar e ao menos conheço alguém. Se fosse parar ao Céu não conhecia ninguém. Tinha de estar a fazer amigos outra vez e toda a gente sabe que amizades duradoiras não se constroem assim, sem mais nem menos.

E mais. Tudo aquilo que é bom está nas profundezas do Inferno. Todos os pecados lá estão, e em dose reforçada. Posso ter sido levado ao engano, eu sei. Pode ser como qualquer local turístico. Óptimo para passar férias mas péssimo para lá se viver. Seja como for ou era isso ou andar feito parvo de nuvem em nuvem a tocar harpa na companhia de anjos assexuados. Venham as chamas do Inferno e o resto que se foda.


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