17 de Maio de 1966. Num concerto no Free Trade Hall de Manchester um espectador vira-se para o palco e exclama:

- Judas!

O artista não muda de expressão, aproxima-se do microfone e responde:

- I don’t believe you, you’re a liar.

De seguida, com a sua arma em riste, vira-se para a banda e diz:

- Play it fucking loud.

E The Band irrompe, plena de força e confiança, com “Like A Rolling Stone”. Como um grupo de soldados dando apoio ao seu general em mais uma dura batalha. O nome, Bob Dylan.

Este é um dos momentos mais marcantes da história do Rock N’Roll. O mais curioso é ter-se repetido n vezes. Durante essa digressão, que o levou aos quatro cantos do mundo, Bob Dylan foi insultado em todos os concertos, pelas mesmas pessoas que tinham pago bilhete para o ver e sempre com os mesmos pretextos. Por ter abandonado (leia-se evoluído) a sua imagem de cantor folk. Por ter incorporado instrumentos eléctricos em vez de se limitar à guitarra acústica e à harmónica. Por ter deixado de escrever canções politicas ou de protesto, conforme preferirem designar. Por se recusar a ser a voz da esquerda ou da nova geração e por querer apenas ser apenas a voz de si mesmo.

A História dar-lhe-ia razão. Os seus tão criticados álbuns daquele período são hoje em dia vistos como obras-primas da música moderna. Clássicos que irão certamente resistir ao passar do tempo. A sua atitude na época marcou o momento decisivo da música popular. A partir deste momento, este veículo de expressão seria isso mesmo. As letras e a atitude inerente passariam a ter significado e a simbolizar algo. Já não era meramente entretenimento o que aqui estava perante nós. Mas um olhar profundo sobre o mundo e a nossa existência sobre ele.

Para além de tudo isso, o que é extraordinário é ele ter tido a coragem de o ter feito. Nunca ninguém passou por tal experiência. Já imaginaram o que é subir ao palco, noite após noite, para ser mais uma vez vaiado? Só se o Pedro Granger decidir lançar um disco. Mesmo assim duvido que tenha o mesmo destaque.

Dylan foi insultado pela direita e pela esquerda, por liberais e por conservadores, por velhos e por novos. Aposto que nem o Pai Natal lhe deu prenda nesse ano tal era a sua popularidade. O que faria sentido independentemente do resto pois ele era judeu. Não, não estou a falar do Pai Natal… eu sei lá se o Pai Natal é judeu… acho que não… ele era o São Nicolau e os judeus não têm santos… realmente podia ser só o nome dele… mas olha que também nunca vi nenhum Bar Mitzvah lá para a Lapónia… Mas que caralho. Que merda de conversa. Não era o Pai Natal. O Pai Natal nem existe. O Bob Dylan é que é judeu. O verdadeiro nome dele é Robert Zimmerman. Querem nome mais judeu que Zimmerman? … eu sei lá se o gajo ainda é judeu?... olha, porque é que não lhe ligas?

Onde é que eu ia? Ah… na coragem demonstrada.

Seria preciso passar oito anos até que Dylan voltasse às digressões. Pudera, depois de andar um ano inteiro a ouvir “Oh filha-da-puta mete a guitarra no cu e vai para casa.” a última coisa que temos vontade é de voltar a um palco. Apesar de todo o sofrimento que passou, Bob mandou provavelmente a maior pedrada no charco da História da música popular. E acima de tudo foi fiel a si mesmo apesar de todas as adversidades. Todos nós, à nossa medida, temos a possibilidade de fazer o mesmo. De sermos nós mesmos independentemente daquilo que os outros achem de nós. Mais que possibilidade temos a obrigação. Senão o mais certo é acabarmos como a personagem do refrão da música. Se é que não estamos já lá…

Play It Fucking Loud.


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