Já imaginaram como será o dia em que vão ser internados num hospital psiquiátrico? Eu já. E vocês também deviam. É que estas coisas acontecem sempre quando menos se espera. Não pensem que é só aos outros. Há que estar prevenido.

Visto que considero tal cenário como um acontecimento inevitável, mais vale estar preparado para ele pois quero que seja um dia especial. Não é todos os dias que um grupo de enfermeiros nos serve de chofer. Oferecendo-nos, de forma mais ou menos convencional, a mais recente moda de pronto-a-vestir, nova estação, na forma de um elegante colete-de-forças.

Quero que seja um acontecimento único. Dêem-me a fama e o proveito. Não quero dar luta, quero dar espectáculo. De forma a que o pessoal médico se recorde deste dia de trabalho para sempre. Que anos após a reforma contem aos netos na noite de Consoada “Olha netinho, o mais maluco de todos os malucos que me calharam foi…” e segue a história, tendo-me a mim como protagonista.

Mas como o fazer? Como ser um marco nos anais da demência? Primeiro que tudo começo na caralhada. Eu sei que não é original mas o que seria de um internamento em psiquiatria sem um chorrilho de palavrões? Não serei o senil anestesiado a quem fazem tudo o que querem. E para provar isso qualquer vocábulo que saia da minha boca tem de ser profundamente ofensivo. Sem deixar ninguém de fora. Dos enfermeiros ao condutor da ambulância, dos médicos ao pessoal auxiliar, dos transeuntes aos meus amigos imaginários, todos levarão elogios e considerações do mais alto nível. Verbalizando a um nível ensurdecedor enquanto perdigotos dos mais variados tamanhos são projectados da minha boca.

Espicaçar o condutor da ambulância é outro dos meus objectivos. Começarei pelo “coninhas” passando pelo “corno manso” e só abrandarei o ritmo dos insultos quando aquele pobre coitado acelerar de tal maneira de raiva que nos despistemos. E aí irei rir a bandeiras despregadas. Enquanto o carro se despenha em chamas ravina a baixo… Eh pá assim também não pode ser. Assim morremos todos. Sou doido mas não sou parvo. Pronto, que se lixe o condutor. Deixo o homem descansado. Ao fim de contas ele vai a conduzir.

Em vez disso começo a dizer com um ar esgazeado que estou a ter visões sobre o futuro das pessoas que me levarem. Em que, seja em que contexto for, acabam sempre doentes, numa prisão a levar no cu de manhã à noite. Só para aprenderem a não se meterem comigo. Vão-se borrar de medo. Há quem amaldiçoe os outros mas isso está em desuso e já não assusta ninguém. Eu prefiro fazer previsões de sodomizações violentas. Isso sim, isso mete medo.

Bom, tenho que ir. Estão a tocar à porta e ambulância está lá em baixo à minha espera. Desejem-me sorte.

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