Entro, a luz perde os meus passos sobre o olhar. Atento, respiro e movo-me sobre o chão fixo, pregado às tábuas do meu caixão. Passos curtos de análise, olhar atento e certeiro. Serpenteio, focado e consciente de cada sopro da pessoa que cresce em mim. Sobrevoo o campo de batalha, os vultos movem-se, estudam-se, aguardando pelo momento exacto. A tensão cresce. É o agora. Único na sua espontaneidade, singular em todas as suas formas, sublime e efémero como todos os outros, áspero, duro e asfixiante. Névoa dos passos perdidos. Confronto de mim comigo mesmo. Sinto o embate da minha alma sobre os pilares da minha existência. Morte e vida num só. Presente mais que perfeito prestes a diluir-se no todo que faz um registo.

Sobe, a alma intensifica-se, sobrepõe-se à imagem de si mesmo. Agora sou quem apareço. O verdadeiro, o que brota em mim e por mim. Respiro fundo e abrando o passo. Endireito as costas e tomo posição. O olhar aterrador de quem nasceu para viver e morrer. Pé ante pé pelo meio do ringue. O golpe de uma vida. O mais brilhante dos momentos. Assustador até para quem o desfere. O desconhecimento da sua origem invoca a presença de um ser mais alto. O retorno da imagem perdida. Do ser de quem me tinha separado. O contemplar da visão de Deus. O menino fez-se homem. O nascer fez-se ser. A essência assentou finalmente sobre a existência.

Choro. Descarga emocional. Sento-me. Acendo um cigarro no frenético ritmo da vida. As lágrimas correm-me pela cara ao som do meu desabafo. Os anjos sopram os seus metais. O campo de batalha volta a dar uso ao seu nome. Acção. Embate após embate, cada vez mais duro a cada momento. Frenético, violento e impensável. Destruição de todos os muros e de todas as barreiras. Dependo apenas de mim mesmo. Sou só eu. Quem luta, quem vive. Eu e apenas eu. Sem depender de ninguém. Para o melhor e para o pior.

Já cansado aproximo-me do centro do ringue. Golpes atrás de golpes provocam a primeira queda. Vejo o seu corpo desesperado deitado no chão. A minha face é a mesma. Nada me faz mudar. O ser que brota de mim é a besta da minha essência. Domada por mim e para mim. Eu sou eu. A aparição de mim mesmo. Quem olha do chão é o meu reflexo. A outra face da mesma moeda. Somos um, somos tudo. Indefiníveis e mutáveis.

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