Se a vida não é estranha, então não sei o que o pode ser. A sério. Há certos momentos em que isto não faz sentido nenhum. Ou pelo contrário, faz sentido a mais. Simplificando e exemplificando.

Imaginem o seguinte. Estão com uma fome desgraçada. Com aquela fome de quem seria capaz de comer um bife maior que a vaca, se tal coisa existisse. Em que ficam vidrados a olhar para a grelha de uma churrascaria. Babando-se compulsivamente até fazer uma poça aos pés. Enquanto os frangos em pelota dão cambalhotas para trás.

Vão até um centro comercial. Lá existem pelo menos uma dúzia de restaurantes. De todos os tipos e para todos os gostos. Seria de pensar à partida, que a atitude mais lógica, devido ao voraz apetite, era entrar no primeiro tasco e pedir qualquer coisa para matar o bicho.

No entanto, mesmo para os que raramente são indecisos como eu, é o contrário que se passa. Visto estarmos desesperados com fome, a indefinição torna-se bem maior. “Estou mesmo esganado. Não vou comer qualquer coisa. O que é que vai ser para resolver isto a fundo? O que é que me apetece mesmo?”. E ali ficamos. Especados a olhar para luzes de néon.

Por esta altura já mal nos lembramos que temos fome. Agora a nossa preocupação é outra. Agora o que queremos mesmo é nem mais nem menos que satisfação absoluta. Tendo em conta o estado da situação, temos de tomar a mais acertada das decisões. Se tivéssemos pouca fome até que éramos capazes de morfar uma merda qualquer e estava despachado. Mas assim não. Agora precisamos de algo, substancialmente e profundamente bom. Algo que nos encha a barriga, o gosto e o espírito.

Após este absurdo dialogo interno. Começamos a ponderar. A avaliar todas as possibilidades. A sandes de frango panado vs a dobrada à Transmontana. O sumo de frutas vs imperial. Batatas ou arroz? Quem sabe, massa? E onde? Em que esplanada sem luz solar me irei sentar a degustar este manjar dos deuses?”.

Após todas estas opções, a conclusão é inevitável. Tomamos sempre a pior decisão possível. Olhamos para o nosso prato e para o dos outros e temos a certeza de ter feito a mais errada das escolhas. Independentemente daquilo que trouxemos para a mesa o que nos estava mesmo a apetecer era outra coisa completamente diferente. Se trouxemos uma pizza, o que queríamos mesmo era arroz de pato. Se por acaso trouxéssemos o arroz de pato estaríamos babados a olhar para a pessoa do lado enquanto o queijo derretido lhe escorria da boca.

E sabem porque é que nunca ficamos satisfeitos com a escolha? Porque lá fundo, não queríamos nem estar com fome, nem comer num centro comercial. O que queríamos mesmo era o aconchego de um lar, com comida caseira feita num forno a lenha. E se estivéssemos lá tudo nos saberia bem. Estávamos descansados e não perderíamos tempo com questões patéticas. O pior é que muitas vezes na vida, estamos tão longe e tão perto do sítio onde verdadeiramente queremos estar.

Comments (3)

On 9 de junho de 2009 às 16:01 , Anónimo disse...

Amigo David, já há algum tempo que não comentava um texto seu - já desde o tempo do Velho Jarreta que irei sempre recordar como Archie Bunker - dado que os novos são mais propensos a comentários mais pensados e não tão histéricos como os anteriores.

Este texto deu-me particularmente que pensar e, muito embora possa nem ter nada a ver com isso, deu-me a sensação de que a comida é uma metáfora para algo mais... algo que não se pronuncia de forma tão leviana, tão "social" mas que todos sentimos bem lá no fundo...

 
On 9 de junho de 2009 às 19:03 , David Dias disse...

Astuto como sempre meu caro. Muito bem observado. E nada mais tenho a acrescentar.

 
On 15 de junho de 2009 às 10:49 , Piri disse...

Boa analogia da comida que se aplica a muito mais que a simples alimentação e serve para tudo na vida...